Foi realizada na última semana, de 18 a 21 de agosto, a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT). Ao longo de quatro dias, a conferência reuniu 2.486 pessoas credenciadas no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, sendo 1.559 delegados e delegadas eleitos nas etapas municipais, regionais, estaduais e conferências livres.
O encontro foi o ponto culminante de um processo que mobilizou milhares de pessoas em todo o país, consolidando a saúde do trabalhador como um direito humano central na agenda pública.
A CUT e suas entidades filiadas participaram ativamente de todas as fases da conferência, o que resultou em propostas que foram aprovadas e incorporadas ao conjunto de deliberações. No total, foram aprovadas 134 diretrizes, 520 propostas e 114 moções, várias delas elaboradas pela CUT, que deverão orientar a atualização da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) e influenciar os instrumentos de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
“A CUT e suas entidades filiadas chegaram à conferência com um acúmulo construído no dia a dia, ouvindo os trabalhadores nos locais de trabalho. Isso fez com que nossas propostas refletissem necessidades concretas. Ver essas propostas aprovadas e incluídas na Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora é uma conquista coletiva e muito significativa”, afirmou a secretária de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora da CUT, Josivania Ribeiro Cruz Souza
Mobilização preparatória: da base à etapa nacional
A 5ª CNSTT foi precedida por uma ampla mobilização. Em todo o Brasil, foram realizadas 1.200 conferências municipais, 90 regionais, 110 macrorregionais, 27 estaduais e distritais e mais de 50 conferências livres. As etapas preparatórias envolveram dezenas de milhares de pessoas, representando trabalhadores urbanos e rurais, sindicatos, entidades da saúde, universidades, movimentos sociais e gestores públicos.
Nesses espaços foram eleitas as delegações que compuseram a etapa nacional, garantindo diversidade e representatividade. Essa preparação expressa a vitalidade do controle social no SUS e reafirma que a saúde do trabalhador só pode ser construída com a participação direta de quem vive o cotidiano do trabalho.
“Nosso trabalho foi intenso antes mesmo da conferência, porque esses temas fazem parte da vida cotidiana dos sindicatos, que escutam e acolhem diariamente as demandas dos trabalhadores e trabalhadoras. O movimento sindical teve papel fundamental nesse processo, garantindo que a voz da classe trabalhadora estivesse presente em todas as etapas, desde as discussões locais até a construção nacional”, disse Josivania,
Deliberações: 134 diretrizes e 520 propostas
O processo democrático da conferência resultou em 134 diretrizes, 520 propostas e 114 moções, que passam a compor um documento orientador para a formulação de políticas públicas.
Entre as proposições aprovadas, destacam-se:
- Implantação de uma Política Nacional de Cuidado Integral, com atenção à saúde física e mental.
- Criação de canais públicos de comunicação do SUS, para ampliar a transparência e o acesso às informações.
- Inclusão de dados sobre identidade de gênero e deficiência nos sistemas de informação em saúde.
- Elaboração de metodologia para vigilância em saúde com participação social.
- Ampliação dos horários de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS), adequando o atendimento à realidade de quem trabalha longas jornadas.
Propostas do movimento sindical: conquistas da CUT
As propostas defendidas pela CUT e suas entidades filiadas também foram aprovadas, reforçando a presença do movimento sindical como ator estratégico na formulação das políticas. Os pontos principais incluem:
- Regulamentação de novas modalidades de trabalho (plataformas digitais, teletrabalho, terceirização, intermitente e informalidade), com garantia de direitos trabalhistas e previdenciários.
- Combate à precarização, assédio, violência e discriminação, promovendo ambientes de trabalho seguros e saudáveis.
- Fortalecimento da saúde mental, com criação de espaços de escuta e enfrentamento de metas abusivas e burnout.
- Intensificação da fiscalização em saúde do trabalhador, com protocolos nacionais e notificação obrigatória de agravos.
- Participação dos sindicatos e trabalhadores no monitoramento das políticas, fortalecendo CIPAs e canais de denúncia.
- Redução da jornada de trabalho para 30 a 36 horas semanais, sem redução salarial, além da luta pela revogação da Reforma Trabalhista.
- Atenção a grupos vulnerabilizados, como migrantes, populações do campo, estudantes da saúde e atingidos por crises climáticas.
- Uso de plataformas digitais integradas ao SUS para notificação de acidentes e acesso a serviços, regulando tecnologias que hoje intensificam o controle sobre os trabalhadores.
“Ver nossas propostas aprovadas e incorporadas à Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora é uma vitória coletiva, que reafirma a importância da organização sindical na defesa da saúde, dos direitos e da dignidade de quem trabalha”, disse Josivania Ribeiro.
Tema central da Conferência: saúde como direito humano
Com o lema “Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora como Direito Humano”, a conferência buscou ultrapassar a visão restrita de acidentes e doenças ocupacionais. O objetivo foi situar a saúde laboral dentro de uma perspectiva mais ampla, conectada a temas como precarização do trabalho, reformas trabalhista e previdenciária, impactos da pandemia de Covid-19, desigualdade social e discriminações estruturais.
O entendimento comum nos debates foi que uma vida digna depende de condições de trabalho que não adoeçam, e que a violação desse direito representa uma das faces mais cruéis das desigualdades brasileiras. Por isso, a conferência reafirmou que saúde e dignidade no trabalho devem ser tratados como parte indissociável dos direitos humanos.
Anúncios do governo: novos CEREST e mais recursos
Durante a conferência, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou a habilitação de 17 novos CEREST (Centros de Referência em Saúde do Trabalhador), elevando o total para 243 em todo o país. Também confirmou a duplicação do orçamento federal destinado a esses centros, que passou de R$ 80 milhões para R$ 160 milhões anuais.
Outra medida importante foi a atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, que incluiu 165 novas patologias em 2023, após 24 anos sem revisão. Esse avanço permite reconhecer oficialmente condições de saúde diretamente associadas ao trabalho, facilitando o acesso a direitos previdenciários e trabalhistas.
Participação social como pilar democrático
Autoridades presentes ressaltaram o caráter democrático da 5ª CNSTT. Para a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Mariângela Simão, “direitos não bastam estar na lei; precisam de movimentação popular e mecanismos reais de participação social”.
Já Agnes Soares da Silva, diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, destacou que os debates da conferência mostraram, na prática, o que significa defender a saúde do trabalhador como direito humano nos dias atuais.
Legado e próximos passos
O relatório final da 5ª CNSTT será incorporado ao Plano Plurianual de Saúde (2024-2027) e deve orientar a formulação de políticas estaduais e municipais. O documento consolida uma agenda ambiciosa, que busca enfrentar a precarização, garantir condições dignas de trabalho e fortalecer o SUS como instrumento de justiça social.
Para a CUT, a conferência evidenciou a necessidade de recolocar a saúde do trabalhador no centro da agenda pública. As propostas aprovadas consolidam o papel do movimento sindical como protagonista na construção de um mundo do trabalho que respeite a dignidade e a vida de quem produz a riqueza do país.
Ato político: mobilização nas ruas de Brasília
Na quarta-feira (20), cerca de 1.500 pessoas se reuniram no Museu da República e caminharam em cortejo até o Ministério da Saúde. O ato político, parte da programação oficial da 5ª CNSTT, foi marcado pelo grito coletivo: “Trabalhadores unidos, jamais serão vencidos”.
Sindicatos, movimentos sociais e delegações de todas as regiões do país levaram denúncias sobre jornadas exaustivas, precarização, assédio e adoecimento. Relatos de motoentregadores, trabalhadores de limpeza e categorias precarizadas expuseram as consequências de condições degradantes. Para a presidenta do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernanda Magano, a mobilização mostrou a urgência de resistir a um modelo de exploração que retira direitos e ameaça a saúde coletiva.